sábado, 20 de maio de 2006

parênteses para a realidade crua

Paulo disse: “nos tornamos um espetáculo (teatro) ao mundo” (1 Co­ 4:9).
São Paulo, a cidade, parafraseia o apóstolo que deu origem ao seu nome.

eis o espetáculo:

o crime contra-ataca. uns sem números de mortos. rebeliões, em série, nos presídios do Brasil. medo. insegurança. as caras lavadas. os discursos vazios.

as emissoras de TV ampliam a tragédia. tragédia pouca é bobagem.

no mais, briga de vizinhos: siglas presidenciáveis. atitude, atitude mesmo: o povo escondido, aterrorizado.

onde fica, um amigo indagou, nossa revolta de cidadão? na letra torta do monitor? na fala morta no meio da multidão?


(e mesmo pergunto novamente: como nos rebelar de forma pacífica contra esse país de ladrões engravatados que não sofrem bloqueio algum?)

sexta-feira, 12 de maio de 2006

à mulher que matou os peixes

perdoe-me, Clarice, eu não sei o que faço
perdoe-me o uso indevido do teu nome e das tuas palavras
perdoe-me por não ter matado antes da necessidade de gritar
e na pressa ter vestido o corpo cru de muros e filipetas promocionais
perdoe-me a falta de ar, o excesso de paixão
perdoe-me pela verdade explícita, pelo medo de ser feliz
perdoe-me por adorar essa angústia que me devora


(oração da escrita tortuosa)

quarta-feira, 10 de maio de 2006

o deslocamento


a novidade grita à porta de passagem. um barco ancora no quintal, possibilidade de deslocamento. a ilha: itaparica. ventania. o coração agita com a maré. pesco frases antigas, discursos falidos. no meio do mar: o cartão postal.

-Salvador, não me salve, por favor! É preciso naufragar vez em quando vida.

lá no fim da paisagem: calor de cidade, agitação de olhares comezinhos, buzinas, fumaça... cá na água escura, chovida, areia e pedra discutem o futuro do Brasil.

- o futuro é o presente – exclamo!

rostos furiosos viram-se contra mim. e me abandonam como a uma leprosa que espera a morte. não é verdade, não há verdade. exceto a mentira do tempo exposta nas feridas e na cicatrização delas.

como diria meu amigo imaginário baiano:

- na real, nossas alegrias são tão frágeis quanto nossas piores tristezas. não há muito que se fazer aqui, a não ser desordenar nossas possibilidades de saída.

domingo, 7 de maio de 2006

o descomeço


(início tem cara de domingo
céu cinza, algum frio
dores de parto
sensação de alegria)


esfregar o nada para sair qualquer coisa
depois a coisa anda sozinha
e desanda

desandar é o que realmente importa
desprender-se, desapegar-se, desfazer-se

romper as trilhas
desconstruir os caminhos

entre um fio e outro
ser fio-fragmento da teia
entre as fronteiras
no entre da própria coisa

estilhaçar-se

propor fagulhas, cacos, ruídos
desterritorializar os laços

transeunte dos próprios passos
a andarilha